A CONTAMINAÇÃO DA ÉTICA
Coluna publicada no Globo – Economia Verde - 04/04/2013 – p. 32
Agostinho Vieira
O
Brasil caminha a passos largos para conquistar o hexacampeonato. Seria
bom que fosse o do futebol, em 2014. Mas não é. Não ainda. Pelo sexto
ano seguido (2008/2013) devemos ser os campeões mundiais no consumo de
agrotóxicos. Cerca de 20% de todos os inseticidas, fungicidas,
herbicidas, nematicidas, acaricidas, formicidas e outros defensivos
agrícolas produzidos no planeta são aplicados aqui.
Estão
registrados no mercado brasileiro mais de 400 ingredientes ativos que,
combinados, se transformam em quase 2.500 fórmulas de agrotóxicos
largamente utilizados nas nossas lavouras. Das 50 substâncias mais
usadas, 24 já foram banidas nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa e
em alguns países da Ásia. Desde 2008, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) reavalia a utilização de 14 desses insumos. Apenas
dois já foram proibidos e um deverá sair do mercado no meio do ano. Os
outros onze seguem sendo usados em todo o país sem qualquer restrição.
De
acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), são registradas, todos
os anos, cerca de três milhões de intoxicações agudas por agrotóxicos,
com 220 mil mortes. Aproximadamente 70% dos casos acontecem nos países
em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Mas o pior é que a própria OMS
admite que para cada 50 quadros de intoxicação, apenas um é efetivamente
notificado e contabilizado.
Para
as lideranças do agronegócio, no entanto, o uso de defensivos em grande
escala é o preço que temos que pagar para ter uma economia agrária
pujante e uma balança comercial positiva. As safras recordes garantem os
preços baixos, a inflação reduzida e os juros comportados. Temas
recorrentes nas páginas de economia. Os agrotóxicos seriam um mal
necessário. Única forma de garantir alimentos baratos.
Será?
Fico imaginando um plebiscito para ouvir a população sobre o uso desses
produtos. Com uma pergunta mais ou menos assim: “A população está
crescendo e precisamos alimentá-la. Os agrotóxicos aumentam a
produtividade agrícola, mas provocam algumas doenças e mortes. Você
concorda com a sua adoção em larga escala no país?”. Durante a campanha
do plebiscito seriam divulgadas pesquisas e estatísticas de mortes.
Cinco mortos no campo e um na cidade é um número razoável? Se forem dez
no campo e dois na cidade já seria inaceitável?
É
claro que esse exercício é absurdo. E não existe nenhum número
“aceitável” de mortes. Na prática, no entanto, é mais ou menos isso que
acontece. Sem a consulta popular. Na verdade, a questão principal não é
se devemos ou não usar agrotóxicos. Tema polêmico no mundo todo. A
pergunta que não quer calar é: Por que ainda usamos produtos que já
foram banidos no resto do mundo?
Realmente,
essa é uma pergunta difícil de responder sem ficar vermelho de
vergonha. Será que todos os países que proibiram a comercialização,
incluindo os mais desenvolvidos do planeta, estavam errados? Só nós
estamos certos? Teria essa gente alegre e bronzeada que vive por aqui
menos chances de ser contaminada? É óbvio que não. Trata-se de uma
mistura perversa de bagunça, burocracia, lobby eficiente da indústria e
um forte interesse econômico.
Pode
parecer ingenuidade, mas tenho curiosidade em saber se ao longo desses
anos foi registrado algum conflito ético, moral ou mesmo um pouco de
culpa. Imagine uma reunião semanal de diretoria de uma dessas grandes
empresas químicas. Um dos participantes levanta o braço e diz: “Eu sei
que os ambientalistas são uns chatos, reclamam de tudo, mas esse nosso
produto já foi proibido em 50 países, será que a gente devia mesmo
vender no Brasil?”
Não
sei se a pergunta foi feita, mas a resposta é óbvia. Com a crise
econômica na Europa e nos EUA, aumenta a oferta de produtos e caem os
preços. Produtos proibidos lá ganham ares de oferta por aqui. E o que
torna a história ainda mais escabrosa é que vários países baniram a
venda, mas não impediram a produção. Ou seja, a fabricação de
agrotóxicos gera empregos e divisas lá e contaminação aqui.
Na
próxima terça-feira, dia 9 de abril, o gabinete da presidente Dilma
Rousseff e as presidências da Câmara e do Senado vão receber um
abaixo-assinado com milhares de nomes. A campanha, encabeçada por
entidades de vários setores, pede a suspensão imediata da produção,
venda e uso de substâncias que já estão proibidas em outros países. Não
dá para saber se o volume de assinaturas se iguala ao dos movimentos
“Fora Renan” e “Abaixo Feliciano”. Mas seria bom que não acabasse também
numa das espaçosas gavetas de Brasília.
Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/ecoverde/